Inspo/Inspiração Life Style/Estilo de Vida

TRANSvenusiana

Meu amor,

Quando você se encontra defronte de uma mulher trans, encontra-se verdadeiramente defronte de uma entidade. Somos deusas ao revés; sereias que lutam contra qualquer adversidade em prol às suas mulheridades. 

O quão forte é gritar-se trans! Trazer à tona essa que somos num movimento penoso e aliviante libertando-se da mais sufocante coleira que há. Coleira pesada feito chumbo que se nos impõem dilaceradamente. Tal embaraço inveterado em nossa sociedade consome-nos a todes e tenta apagar toda a ancestralidade colorida que nos é passada de geração em geração. A naturalidade de nossos corpos é vetada, é assassinada, criando-se assim o repúdio do Outro, o repúdio da nossa própria história enquanto povo. 

Cá escrevo do cume do meu quase-um-ano-de-hormonioterapia, sentada face ao meu pequenino computador com uma xícara de café preto, alguns cigarros deitados no cinzeiro e, por incrível que pareça, uma lista de músicas folclóricas da gente tocando no YouTube. 

Que orgulhosa me sinto hoje da jornada que escolhi – ou que me escolheu? Me sinto viva, e em toda a complexidade que se implica no estar viva. Quero em meu círculo íntimo pessoas que me amem em minha inteireza, que não me compreendendo me celebrem. Quero e mereço o amor e a energia que ponho para fora. Sou visceral, sou gritante e me gostem assim!

Penso sobretudo hoje naquelas a quem é negado abrigo, refúgio, amparo. A quem nem ossos se arremessam. Naquelas que não podem atravessar uma fronteira imaginária em período de guerra! Em período de GUER-RA! Não somos corpos inferiores que se deixam morrer à míngua. Somos legítimas e queremos simplesmente ser vistas como tal.

Agora preciso parar a divagação – que me exaltou, sinceramente! – e continuar com as tarefas de uma adulta que mora só e que precisa se cuidar. Comecemos pela louça que transborda! Ademais, o privilégio de me poder desligar – momentaneamente – de tudo me exaspera, porém acredito que dele faço algo criativo, que dele faço algo para as minhas!

Sem mais delongas, esta aflita e contraditória aquariana vos saúda! Vou-me embora pra Pasárgada.

My dear,

When you find yourself in front of a trans woman, you are truly in front of an entity. We are goddesses in reverse; mermaids who fight against any adversity in favor of your womanhood.

How strong it is to scream trans! Bringing out who we are in a painful and relieving movement, freeing ourselves from the most suffocating collar there is. A heavy lead collar that imposes itself on us tearfully. Such inveterate embarrassment in our society consumes us all and tries to erase all the colorful ancestry that is passed on to us from generation to generation. The naturalness of our bodies is vetoed, it is murdered, thus creating the repudiation of the Other, the repudiation of our own history as people.

Here I write from the height of my almost-a-year-of-hormonetherapy, sitting in front of my tiny computer with a cup of black coffee, some cigarettes lying in the ashtray and, amazingly enough, a list of folk songs of people playing in the YouTube.

How proud am I today of the journey I chose – or that chose me? I feel alive, and in all the complexity involved in being alive. I want in my intimate circle people who love me in my entirety, who, not understanding me, celebrate me. I want and deserve the love and energy I put out. I’m visceral, I’m loud, take me or leave me!

Today I think of those who are denied shelter, refuge, support. To those that not even bones are thrown. In those who cannot cross an imaginary border in time of war! In period of W-A-R! We are not inferior bodies that allow ourselves to starve to death. We are legitimate and we simply want to be seen as such.

Now I need to stop the digression – which really excited me! – and continue with the tasks of an adult who lives alone and needs to take care of herself. Let’s start with the overflowing dishes! Furthermore, the privilege of being able to disconnect myself – momentarily – from everything exasperates me, but I believe that I do something creative with it, that I do something with it for mine!

Without further ado, this distressed and contradictory Aquarian salutes you! I’m leaving for Pasargada.

Leave a Reply