R$ 15.641.777,49 gastos em leite condensado sob o governo Bolsonaro. 68,9% de corte da importação de equipamentos e insumos destinados à pesquisa científica. Brasil como o pior país na gestão da COVID-19. Mas que “vamos para a puta que pariu”
Abro os olhos, ainda na cama, e me esgoelo sob dois travesseiros manchados. Ritual essencial para começar o dia. Impossível – para qualquer pessoa sã e moral – não se indignar com o que vemos, lemos, escutamos. Somos bombardeades a todo momento com notícias lúgubres e assustadoras. “Vai para a puta que o pariu!”.
Me levanto, tomo minhas várias rodadas de café e decido sair um pouco de casa. Preciso respirar o ar fresco do além-muro. Me adorno de brincos e de um sorriso falso, porém galante, tentando assim me enganar. Quem sabe essa carapaça não manda uma mensagem para a mente dizendo que tudo está bem?
Saio. Começo a caminhar. Caço, com destreza, um cigarro na bolsa. Uma bicha sexagenária latina que conheço cruza comigo. “Olá! Tudo bom?”. “Tudo e você?”. “Tudo. Se cuida, viu”. Interação complexa por debaixo das máscaras – tanto as de tecido, quanto as de pele.
Andejo um pouco mais até as minhas pernas se cansarem. No caminho de volta, pelo amor do Universo, cruzo novamente a bicha velha. Conversamos desta vez sobre o leite condensado, vivências LGBTQIAP+, a situação alarmante no Amazonas e ela compartilha comigo o seu recente hipernefroma*. Segurando as lágrimas, divido a notícia do senhor de 61 anos da Cornuália cujo linfoma foi aparentemente curado depois de ter pegado COVID. Nos despedimos, nos desejamos muita saúde e seguimos caminhos opostos.
Vai para a puta que o pariu!
More than 15 million reais spent on condensed milk under Bolsonaro’s government. A budgetary cut of 68.9% on the equipments and materials supposed to go to scientific research. Brazil, as stated by a study, elected as the worst country in managing the COVID crisis. However, we need to go “fuck ourselves”, as the President says.
I open my eyes, I am still in bed, and grab my two pillows under which I yell like never before. This is becoming an essential ritual to start my days now. It is impossible – for any sane and reasonable person – not to feel disgusted by all we read, hear and see. We are bombarded all the time by lugubrious and frightful news. “Go fuck yourselves!”
I get up, I have my many cups of coffee and I decide to go out for a bit. I need to breathe the fresh air from outside. I put on my beautiful earrings and my beautiful fake smile, maybe that would help me trick my mind making me believe everything is good.
I leave my house. I start my little walk. I skillfully look for a cigarette in my purse. There is a sexagenarian latina queer that I know coming my way. “Olá! How are you?. “Good, you?”. “Good. Take care okay?” Complex interaction under all the masks – those made of fabric and those made of skin.
I ramble a little bit more until my legs are tired. On my way back home, maybe for the love of the Universe, I bump into that old queer again. This time we talk about the condensed milk scandal, about LGBTQIAP+ experiences, about the alarming reality in the state of Amazonas and she shares with me that she has hypernephroma*. Holding back my tears, I share the news of the 61-year-old folk from Cornwall whose lymphoma was apparently cured after getting COVID. We say our goodbyes, we wish each other lots of health and we go different ways.
Go fuck yourself!
Cover image: Discodogs
Miranda says. 